É, sem dúvida, fácil falar do que não se sabe, se conhece ou se vive(u).
Dar palpites, opinar, sugerir.
É tão fácil magoar sem querer!!
A minha (pouca) esperança está-se a esfumar. À sensação de peito dorido que diminui, junto-lhe o péssimo humor de hoje e o “2+2” dá-me 4: tensão pré-menstrual. Tenho praticamente a certeza!
Ao final da tarde, num hipermercado da cidade, encontramos um casal conhecido e os seus dois filhos.
"Então, e quando é que vocês arranjam um? Já está na altura! Não querem?!"
Sem "passar pelo filtro" e já a fervilhar por dentro, sai-me "Não quero eu outra coisa há mais de dois anos. O pior é conseguir!"
"Ah (coloca a mão no meu ombro, com um ar entendido e maternal), mas olha que não podes ficar ansiosa! A sério! Tens de ir ao Dr. X. Dizem que ele faz milagres."
"Ai é?! Mas só se for para me mandar uma queca..."
Dou conta que já não sou eu a falar, que as palavras me saiem sem qualquer ponderação ou racionalidade. Sinto-me cada vez mais irritada, "cega", prestes a explodir.
Apetece-me encostá-la a uma prateleira e explicar-lhe tudo muito bem explicadinho. Mas há os filhos, os nossos cara-metade e... ups, a minha Mãe, que se apercebe de imediato que posso ser verdadeiramente indelicada. Afinal... Mãe é Mãe e esta não é diferente!
"Mas então porquê?"
"Infertilidade. Há uma doença que se chama infertilidade. No nosso caso, inexplicada. E há que assumi-lo. Para quê esconder?"
"Ah, vais ver que quando menos esperares engravidas."
Mas esta gente é mouca ou burra?! É um assunto de que nunca se fala, sei, estão desinformados. Mas eu acabei de falar... E o pior é que não estou em condições para informar ninguém. Sequer ver alguém.
"Sim, sim. É como dizer a uma pessoa que tem um cancro: Quando esqueceres a quimio vais ficar bem. Relaxa!"
Ao ponto a que eu cheguei!!!
"Mas olha que, então, há um bom no Porto."
"Sim, eu sei, obrigada! Já ando nisto há uns tempos, mas estamos a ser acompanhados noutro lado."
"Mas olha que a minha irmã, quando foi do segundo, também pensou que ía ter de voltar a desobstruir as trompas e ver da ovulação e com o Dr. X foi quando menos esperou e sem ter de fazer nada!"
"Que bom, acredita. Mas as minhas trompas estão bem, a ovulação também e com o ... também está tudo bem.", digo já um pouco mais calma e com vontade de ficar a falar, pois sinto que é com boa-vontade que tudo me é dito.
"Vem aí bebé?", salta o marido que o meu tentava disfarçadamente manter afastado da conversa.
"Não, não. Infertilidade, jovem!"
"Mas tu ou ele?"
"Nem um, nem outro. Ou melhor, os dois!"
"Então quer dizer que vocês, um com o outro, nada?!", diz a rir.
Aldra!!! Magoa, magoa, magoa!
E acrescenta. "Mas com outras pessoas..."
"É, era o que eu estava a dizer à tua mulher em relação ao Dr. X. Ou então começo aí a dar umas voltas!", respondo possessa.
"Ou ele. Bem , mas isso não te resolve o problema a ti."
"Não, mas resolve a ele, não é?", respondo bruta e cínica, com um sorriso amarelo nos lábios.
"Olha, aquela já fechou.", continua, apontando para a mulher.
"É, mas daqui a uns aninhos vou adoptar uma menina. É só eles crescerem um bocadinho mais." desenvolve ela. E prossegue: "Sempre quis ter uma menina, sabes? São tão lindas. Tu não?"
Tirem-me daqui. Tirem-me daqui. Tirem-me daqui.
Mando-a abaixo de Braga ou... que parte é que ela não percebeu?!
"Tenho lá umas vizinhas, duas meninas pequeninas, que sempre que chego do trabalho vêm a correr para mim. São uns amores!"
A sério? Nunca tinha imaginado tal cenário! Coisa estranha... Penso, mas calo. Não abro mais a minha boca, decidi.
Um pouco graças à minha Mãe, que já pegava numas coisas um pouco mais à frente, despedimo-nos.
Já sem os ver, digo alguns "Porquê?", "Como é que é possível?!", "Eu passo-me com esta gente.", "Arre gaita!! Mas as pessoas são burras? É assim tão difícil perceber?!" e oiço, num tom baixo e ponderado:
"Filha, as pessoas não sabem. Falam com boa intenção. Tantas vezes dizemos coisas sem querer..."
"Mas tantas vezes seguidas? Bolas!!", ainda digo, mas não obtenho resposta.
O resto das compras é feito de cara fechada. A vontade é que, com um desejado passe de mágica, apareça em minha casa, no meu quarto. Não ver ninguém e talvez chorar. Talvez?! Chorar sem dúvida, enquanto me rouo toda por dentro.
Deixamos a Mãe em casa. Nem lhe consigo responder se lá almoçamos amanhã ou não. Toco-lhe no braço e faço uma festa rápida (preciso senti-la!) e digo que ligo mais tarde.
Sigo pela circular, não há trânsito e acelero um pouquito mais. Preciso chegar a casa e ficar só, para sofrer e fazer as pazes (ou não) com tudo isto.
As compras são trazidas e arrumadas de uma forma flecha e decidida.
Antes de aquecer a sopa, vou à casa-de-banho colocar o relógio e olho para o espelho. Não quero/consigo/apetece olhar para a cara. É no peito que me centro e olho de relance a barriga.
Porque o peito tem vindo a doer desde a IIU e hoje praticamente não? Porque me iludi?
A tentar não sonhar, ía sonhando. Silenciosa em relação ao peito, ía saboreando a sensação e "amamentando a esperança".
Volto à cozinha e, quando me sento à mesa, também o meu cara-metade não consigo encarar. Sinto-me inferior, apesar de racionalmente saber não ter razões para tal.
Quando pego no talher, esbarro na caixa de Aspirina GR.
Não dá mais!
Afasto a caixa, poiso novamente o talher, levanto-me, sigo rumo ao quarto e atiro-me para cima da cama.
Para quê seis cápsulas vaginais e uma aspirina por dia? Para quê? Para quê?! Para prolongar e reforçar este sufoco de me iludir? Para, daqui a uma semana, o meu castelo ruir e ficar de rastos?
Apetece-me chorar, mas fico apática a olhar a parede do quarto.
Várias frases me vêm à cabeça. Várias angústias, outros tantos medos, um sem-fim de desgastes volta à tona.
"Até quando?", questiono-me.
Ele vem ter comigo.
Fechada na minha concha, deixo-o fazer-me festas no cabelo sem reagir. Mas algo me faz agarrar-lhe forte e carinhosamente uma mão, escondo a cabeça e choro baixinho.
Na cabeça e no coração a frase "A dor secreta da infertilidade".
Se as pessoas soubessem...
Sei que ainda faltam uns dias para o período vir, mas... não acredito.
Só que vou desejando, sonhando, combatendo. E dói-me, dói-me tanto!!